Do Sistema de Registro de Preços
O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, determina que as obras, serviços, compras e alienações da Administração Pública serão precedidas de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, ressalvados os casos especificados na legislação.
A licitação configura procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa, caracterizando-se como ato administrativo formal, praticado pelo Gestor Público, devendo ser processado em estrita conformidade com os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.
Cabe aqui uma singela análise dos conceitos e parâmetros estruturais da Administração Pública, para a compreensão da legalidade e dos procedimentos necessários à utilização, por um Ente público, do sistema de registro de preços.
Em se tratando de Administração Pública, não se pode olvidar as limitações que lhe são impostas pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo as restrições principiológicas.
Relativamente aos princípios que regem a Administração Pública, especialmente, ao que tange as contratações que envolvem dispêndio de verbas públicas, ressaltam-se os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência e da economicidade, sendo que, este último, apesar de não se encontrar formalmente entre aqueles, constitucionalmente, previstos para a Administração Pública (art. 37, caput), impõe-se, materialmente, como um dos vetores essenciais da boa e regular gestão de bens e recursos públicos.
A Lei 14.133/21 veio regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública.
A Licitação é o meio regular de a Administração Pública realizar contratações que visem a realização de obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, como preveem os art. 1º, 2º e 3º:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange:
I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa;
II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública.
§ 1º Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.
§ 2º As contratações realizadas no âmbito das repartições públicas sediadas no exterior obedecerão às peculiaridades locais e aos princípios básicos estabelecidos nesta Lei, na forma de regulamentação específica a ser editada por ministro de Estado.
§ 3º Nas licitações e contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o Brasil seja parte, podem ser admitidas:
I – condições decorrentes de acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República;
II – condições peculiares à seleção e à contratação constantes de normas e procedimentos das agências ou dos organismos, desde que:
a) sejam exigidas para a obtenção do empréstimo ou doação;
b) não conflitem com os princípios constitucionais em vigor;
c) sejam indicadas no respectivo contrato de empréstimo ou doação e tenham sido objeto de parecer favorável do órgão jurídico do contratante do financiamento previamente à celebração do referido contrato;
d) (VETADO).
§ 4º A documentação encaminhada ao Senado Federal para autorização do empréstimo de que trata o § 3º deste artigo deverá fazer referência às condições contratuais que incidam na hipótese do referido parágrafo.
§ 5º As contratações relativas à gestão, direta e indireta, das reservas internacionais do País, inclusive as de serviços conexos ou acessórios a essa atividade, serão disciplinadas em ato normativo próprio do Banco Central do Brasil, assegurada a observância dos princípios estabelecidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 2º Esta Lei aplica-se a:
I – alienação e concessão de direito real de uso de bens;
II – compra, inclusive por encomenda;
III – locação;
IV – concessão e permissão de uso de bens públicos;
V – prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados;
VI – obras e serviços de arquitetura e engenharia;
VII – contratações de tecnologia da informação e de comunicação.
Art. 3º Não se subordinam ao regime desta Lei:
I – contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos;
II – contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.
O art. 40, inciso II, da lei supracitada, prevê o processamento de registro de preços, para COMPRAS, dispondo:
Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:
[…]
II -processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente;
E, ainda, o art. 78, inciso IV, também da Lei de Licitações:
Art. 78. São procedimentos auxiliares das licitações e das contratações regidas por esta Lei:
[…]
IV -sistema de registro de preços;
O Sistema de Registro de Preços fora regulamentado, de forma específica, pela Seção V, da norma aqui já mencionada, onde se estabelecem normas para a elaboração de seu Edital, normas quanto ao compromisso de fornecimento, disposições acerca dos órgãos gerenciadores, órgãos participantes e órgãos não-participantes – “caronas”, dentre outras.
Dessa forma, indiscutível a vantagem de se promover as compras públicas através de registro de preço, como já indicou a Lei 14.133/21, pois evidente a economicidade, a eficiência e a isonomia que seriam trazidas ao processo licitatório. Forma, como já decidiu o Eg. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais1:
No tocante às vantagens do Sistema de Registro de Preços, destacamos: — a economia procedimental, mediante a realização de uma única licitação, evitando-se, assim, a repetição, ao longo do ano, de licitações, nas mais diversas modalidades, demandando inúmeros procedimentos; — prazo de validade das propostas por até doze meses, ocorrendo o reajustamento dos preços registrados, de conformidade comas disposições do edital e do ato regulamentar, enquanto que nas licitações rotineiras, as propostas valem por, no máximo, 60 dias: — desnecessidade de fixação da quantidade física a ser contratada, que pode ser diferente da real necessidade das atividades e projetos em curso, uma vez que no sistema de registro, o Poder Público, se o quiser, estabelece previamente as quantidades mínimas e máximas que poderão ser compradas, conferindo, assim, maior nível de reserva para o suprimento de materiais e serviços […].
O uso do SRP é especialmente relevante, se considerada a transição de governo advinda do ano de 2025, em que, geralmente, envolve a substituição de diversos prestadores de serviços, restando imprescindível, desde o seu primeiro dia, o direcionamento e assessoramento jurídico, aos Entes municipais e novos gestores, sendo certo que, o SRP permite que a Administração tenha maior agilidade em referida contratação, além de garantir maior eficiência e econômica, resultando em uma gestão mais eficaz dos recursos públicos.
Vale destacar que o sistema de registro de preços permite a fixação de preços pré-definidos para a contratação de bens e serviços ao longo de um período determinado, o que pode trazer mais segurança e previsibilidade à gestão do contrato, especialmente em casos de contratações de longa duração.
Ademais, há de se mencionar que, no SRP, a licitação não visa a contratação de forma imediata; mas a celebração de um instrumento auxiliar denominado Ata de Registro de Preços, que, durante sua vigência, pode gerar – ou não -, futuras contratações.
Assim, não há impedimento legal para a utilização do SRP, na contratação ora posta sob discussão, desde que sejam respeitados os requisitos e procedimentos previstos na legislação.
A inexigibilidade de licitação – notória especialização
A Lei n° 14.133/21, “Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, prevê a possibilidade de realização de modalidade licitatórias diferentes, utilizando, para tanto, distintos parâmetros para determinar a necessidade de realização de uma ou outra modalidade.
Art. 28. São modalidades de licitação:
I- Pregão;
II- Concorrência;
III- Concurso;
IV- Leilão;
V- Diálogo Competitivo.
Há de mencionar, entretanto, que a Lei n° 14.133/21, apresenta situações especiais em que poderá ocorrer a dispensa e/ou inexigibilidade da licitação, nas contratações realizadas pelo Poder Público.
Dessa forma, como toda regra tem sua exceção, a Lei de Licitações permite, como ressalva, a obrigação de licitar, a contratação direta, através de processos de dispensa e/ou inexigibilidade da licitação, desde que preenchidos todos os requisitos previstos na norma.
A modalidade de inexigibilidade de licitação é caracterizada pela inviabilidade da competição em si, restrita aos casos estabelecidos pelo art. 74, da lei supramencionada, nos quais, dentre eles, encontra-se a contratação de serviços técnicos especializados, de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vejamos:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
[…]
III- contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
[…]
b) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
Segundo o dispositivo supracitado, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização.
Consideram-se serviços técnicos profissionais especializados, exercidos por advogados, os trabalhos relativos a assessorias ou consultorias e, ainda, o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
A inexigibilidade constitui exceção que deve ser precedida da comprovação da inviabilidade fática ou jurídica da competição.
A prestação de serviços advocatícios pode desenvolver-se, como mencionado, na área de assessoria e consultoria jurídicas, por meio da emissão de pareceres, e do patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
Ao dispor acerca da inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual a Lei nº 14.133 deixou de exigir a necessidade de “singularidade” do objeto contratado.
Todavia, para que a contratação direta encontre fundamento na inexigibilidade de licitação, é preciso demonstrar-se a notória especialização do profissional ou escritório de advocacia.
A notória especialização encontra definição nos arts. 6º, inciso XIX, e 74, §3º, da Lei nº 14.133/2021. Trata-se do profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
A notória especialização, portanto, é aquela de caráter absolutamente extraordinário e incontestável — que fala por si.
É posição excepcional, que põe o profissional no ápice de sua carreira e do reconhecimento, espontâneo, no mundo do Direito, mesmo que regional, seja pela longa e profunda dedicação a um tema, seja pela publicação de obras e exercício da atividade docente em instituições de prestígio.
Com efeito, o entendimento atual do Eg. Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a contratação de advogados externos, por Municípios e suas Autarquias, não só é permitida, como até mesmo a licitação pode ser dispensada, tendo em vista a notória especialização e especialidade do profissional objetivado.
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.705-3, da relatoria do Ministro Eros Roberto Grau, o Eg. Supremo Tribunal Federal assim se posicionou acerca do tema:
Trata-se da contratação de serviços de advogado, definidos pela lei como “serviços técnicos profissionais especializados”, isto é, serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. É isso, exatamente isso, o que diz o direito positivo. Vale dizer: nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo; logo, a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do “trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do contrato” (cf. o parágrafo 1º do artigo 25 da Lei n.º 8.666/93).
Não sobram dúvidas, portanto, acerca do fato de que a contratação de serviços advocatícios, por meio de inexigibilidade, não configura, em absoluto, irregularidade na gestão pública.
Resta evidente, portanto, que a contratação de advogado notoriamente especializado, por inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 74, inciso III, da Lei Federal nº 14.133/2021, é legal, e não constitui qualquer ilegalidade.
Da possibilidade de realização de procedimento de registro de preços por inexigibilidade de licitação
A nova Lei de Licitações define sistema de registro de preços como sendo o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” (art. 6º, inc. XLV).
Essa definição indica algumas novidades a respeito do sistema de registro de preços, tais como a possibilidade de instituir atas de registro de preços por licitação, nas modalidades concorrência e pregão, de acordo com a natureza do objeto envolvido, ou mediante contratação direta.
Especificamente, em relação à instituição de atas de registro de preços mediante contratação direta, o § 6º do art. 82 da nova Lei de Licitações traz a seguinte previsão:
Art. 82. […]§6º. Sistema de registro de preços poderá, na forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.
O dispositivo não deixa dúvida acerca da possibilidade de o sistema de registro de preços ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação, contudo, na forma de regulamento e apenas para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade, como se pretende realizar, no caso em comento.
A interpretação adequada da norma deve partir da noção jurídica de hipótese de incidência. Há hipóteses de incidência do registro de preços e há hipóteses de incidência de contratação direta por dispensa ou por inexigibilidade de licitação.
Avalie-se, por primeiro, a contratação direta.
No plano ontológico/funcional, se pode afirmar que processo licitatório e processo de contratação direta são equivalentes, senão idênticos.
Ambos se destinam a propósito idêntico: selecionar pessoa física ou jurídica para com ela estabelecer uma relação jurídico/contratual. Embora evidente que instrumentos jurídicos com caracteres específicos e inconfundíveis.
A definição sobre realizar licitação ou realizar processo de contratação direta opera no plano da hipótese de incidência. A depender de certos aspectos jurídicos ou fáticos, terá cabimento uma licitação ou um processo de contratação direta.
Desta feita, selecionada a pessoa física, por processo de licitação ou por processo de contratação direta, se poderá com ela celebrar, imediatamente, um contrato ou celebrar, imediatamente, uma ata de registro de preços, com base na qual poderão derivar eventuais e futuras contratações – ou não -.
Evidenciada a hipótese de incidência de inexigibilidade ou de dispensa de licitação — em razão de sua peculiar razão jurídica de existir —, a seleção do prestador ou fornecedor, para futura contratação, não exige processo licitatório.
Em segundo lugar, avalie-se a hipótese de incidência do registro de preços.
A Lei nº 14.133/21, bem como sua norma regulamentar, tipificam as situações fático-jurídicas que admitem o uso desse procedimento auxiliar.
Caso a situação fática se subsuma à hipótese de incidência do registro de preços, está autorizada a sua utilização.
Evidente que a previsão legal expressa da possibilidade de formação de registro de preços por dispensa ou inexigibilidade de licitação confere maior segurança jurídica para os agentes públicos, porém, referida autorização já se deduzia do sistema jurídico anterior.
Assim, nos casos de aquisição de bens ou prestação de serviços nos quais os fornecedores ou prestadores atuam em regime de exclusividade no mercado e a demanda da Administração revela-se incerta quanto ao momento da sua efetiva ocorrência ou imprecisa na sua quantidade, entendemos possível firmar ata de registro de preços sem a prévia instauração de licitação, adotando como fundamento hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no art. 74, inciso II, da Lei nº 14.133/2021.
Da mesma forma, possível defender que, no regime da nova Lei de Licitações, ainda que não tenha sido publicado o regulamento a que alude o §6º, do art. 82, da Lei nº 14.133/2021, não há impedimento à instituição de atas de registro de preços com fundamento em dispensa de licitação, desde que verificados todos os pressupostos para enquadramento da situação fática.