A figura do “carona” em Atas de Registro de Preços – Lei Federal nº 14.133/2021 

A Nova Lei de Licitações – nº 14.133/2021 – traz consigo inúmeras novidades quando comparada à Lei Federal nº 8.666/1993.

Dentre elas, é possível perceber que, com o advento da normativa supramencionada, a figura do “carona” (órgão não-participante), em Atas de Registro de Preços (ARPs), passa a encontrar-se expressamente autorizada, diferentemente do que ocorria com o regime jurídico da Lei Federal nº8.666/93, razão pela qual, até então, o instrumento jurídico era previsto apenas em sede do Decreto Federal nº 7.892/2013. 

O art. 86, §2º, da Nova Lei de Licitações é claro ao estipular a autorização da adesão à ata, mediante o cumprimento dos seguintes requisitos dispostos:

(i) apresentação de justificativa da vantagem da adesão;

(ii) demonstração de que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado e, por fim;

(iii) a consulta prévia e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e respectivos fornecedores. 

Assim sendo, cabe aos gestores realizarem uma avaliação pormenorizada da contratação objetivada, usufruindo dos instrumentos de planejamento dispostos pela normativa geral, a fim de garantir a viabilidade e legalidade da adesão, com o cumprimento dos requisitos supramencionados e, consequentemente, o perfeito enquadramento do caso. 

Nesse sentido, considera-se um progresso da nova norma, a autorização expressa quanto à utilização de referido instrumento, entretanto, há de se pontuar um detalhe importante a ser observado pelos “caronas”, em seus processos de adesão. 

Conforme dispõe o § 3º, do art. 86, a faculdade conferida pelo § 2º limita-se aos órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, “na condição de não participantes, desejarem aderir à Ata de Registro de Preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital”. 

É possível verificar, portanto, que o novo regime jurídico para as compras e contratações públicas foi omisso no que diz respeito à possibilidade de adesão à ata de registro de preços, referente aos Municípios e aos Consórcios Públicos, tendo proibido, de forma expressa, os órgãos e entidades federais, a adesão à ata gerenciada por órgão estadual, distrital ou municipal. 

É dizer que os dispositivos normativos em questão permitem que órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal participem de atas de registro de preços gerenciadas por órgãos ou entidades federais, estaduais ou distritais.

No entanto, órgãos e entidades federais não podem participar de atas de registro de preços gerenciadas por órgãos ou entidades estaduais, distritais ou municipais. 

Além disso – aqui denota-se o principal ponto de discussão do presente artigo -, observa-se que, adotando-se uma interpretação literal dos §§ 3º e 8º, do artigo 86, é possível concluir que, as atas dos Municípios não permitem a adesão por órgãos e entidades não-participantes, independentemente de sua esfera (federal, estadual ou municipal). 

O debate sobre referido tema tem sido amplo – inclusive no âmbito do próprio Congresso Nacional -, gerando divergências quanto à interpretação dos parágrafos anteriormente mencionados, existindo duas posições principais:

(i) impossibilidade da adesão, tendo em vista que a legislação é clara ao estabelecer que as atas municipais são instrumentos de gestão propriamente municipal, reservadas ao âmbito e condições locais, tratando-se de nítida tentativa de acabar com o uso indiscriminado do instrumento do “carona”, altamente utilizado nos dias atuais e um dos principais pontos de atuação dos Tribunais de Contas, no controle das contratações públicas, e;

(ii) a defesa pela possibilidade da adesão municipal, que considera que o pacto federativo garante a autonomia de todos os entes da Federação, dentre eles, o Município, constituindo discriminação injustificada em relação a esse, autônomo bem como os demais. 

No viés da segunda posição apontada, a União, detentora de competência privativa para elaborar normas gerais sobre o tema – conforme dispõe o art. 22, inciso XXVII, da CRFB/88 -, não pode impor regras detalhadas e limitadoras às atas de registro de preços dos Municípios, mesmo que sob o pretexto de uniformizar as licitações e contratações públicas. 

Ademais, não obstante a existência da utilização demasiada do instrumento – que aqui não se questiona -, o legislador deve sempre se pautar na realidade do gestor íntegro e probo, sendo certo que a adesão às atas de registro de preço indica uma cooperação entre os entes federativos, permitindo a troca de experiências e informações, contribuindo para uma maior eficiência das compras públicas. 

Há de se mencionar, ainda, que possui base consensual, uma vez que a sua implementação depende da vontade do ente aderente e, de forma cumulativa, da concordância do órgão gerenciador e do fornecedor do produto ou serviço. 

Fato é que, a falta de planejamento das contratações – um dos principais pontos de enfoque da Nova Lei de Licitações – e a cultura reativa da Administração Pública, seja em decorrência da própria falta de planejamento seja em decorrência da ausência de estrutura e pessoal adequados, são elementos que conduzem os Municípios de pequeno porte à “pegarem carona” nas atas de outros entes federados, na maioria das vezes de outro Município, com características e aspectos similares aos seus, para a formalização de suas contratações, demonstrando-se como solução eficiente. 

É possível identificar uma evolução no tema, no que diz respeito à autorização expressa quanto à utilização da adesão às atas de registro de preço, entretanto, como anteriormente mencionado, existem determinados aspectos que necessitam de aprimoramento ou, ao menos, intervenção dos tribunais pátrios, para maior elucidação sobre o tema, especialmente, no que diz respeito à adesão a atas municipais, como aqui discutido. 

Diante de referidas discordâncias interpretativas, fora publicada a Lei Federal nº 14.770, em 22 de dezembro de 2023, que, dentre inúmeras alterações, dispõe quanto à faculdade da adesão de Município à ata de registro de preços licitada por outro ente do mesmo nível federativo. 

A nova redação do §3º, do art. 86, da Lei Federal nº 14.133/21, advinda pela norma supramencionada, destrincha a faculdade quanto à adesão de atas de registro de preço, na condição de não participante (“carona”), em duas possibilidades:

(i) por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital ou;

(ii) por órgãos e entidades da Administração Pública municipal, relativamente a ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora municipal, desde que o sistema de registro de preços tenha sido formalizado mediante licitação. 

Por fim, pode-se inferir que, a Lei Federal nº 14.133/21, introduziu uma ferramenta administrativa que, quando aplicada de forma adequada, aparenta ser eficaz a garantir que um ente contrate empresa que já apresentou proposta comprovadamente vantajosa, afastando os custos operacionais inerentes a realização de um certame, em consonância com o princípio da economicidade. 

Em conclusão, importante frisar que, as divergentes esferas abrangidas pelas discussões aqui narradas não concluem, em nenhuma de suas esferas, pela obrigatoriedade de o Município instituir a possibilidade da adesão de suas atas de registro de preços, por órgãos não participantes. 

Referida inviabilidade pode, de fato, ser aproveitada, desde que referida decisão seja expressamente adotada pelo respectivo Município, no âmbito de usa autonomia particular. 

O princípio federativo garante aos Municípios autonomia para gerir seus próprios interesses, inclusive na área das contratações públicas.

Nesse contexto, a “carona” intermunicipal nas atas de registro de preços deve ser uma opção a ser decidida pelos próprios gestores e administradores locais, dentro dos limites estabelecidos pela legislação pertinente. 

REFERÊNCIAS: 

AMORIM, Victor. A adesão de ata de registro de preços municipais na nova Lei de Licitações: por uma necessária interpretação conforme à Constituição do § 3º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: https://www.novaleilicitacao.com.br/2021/07/14/a-adesao-de-ata-de-registro-de-precos-municipais-na-n… em: 02.12.2023; 

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 

BRASIL. Lei Federal nº 8.666/93, de 21 de julho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03/12/2023; 

BRASIL. Lei Federal nº 14.133, de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03/12/2023; 

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para a redução de custos e controle. FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 70, p. 7-12, out. 2007; 

FREITAS, Cristiano Mansur de. Nova Lei de possibilidade Licitações: a de a Administração vedar a contratação de determinada marca ou produto. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 14 jan. 2022. Disponível em: https://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 03/12/2023; 

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. 

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