Licitação nas empresas estatais

A Lei Federal n° 13.303/2016, mais conhecida como Estatuto das Empresas Estatais – EEE, exige a realização de procedimento licitatório prévio nas contratações realizadas por empresas estatais, em cumprimento ao comando previsto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988. 

A realização do certame evidencia-se como meio para promover uma competição abrangente, englobando uma variedade extensa de agentes econômicos qualificados, tendo como principal objetivo o alcance de uma proposta mais vantajosa para a empresa, assegurando previsibilidade, segurança e acesso equitativo à competição. 

Ademais, viabiliza a supervisão dos atos administrativos, no curso do processo, por parte dos órgãos de controle – internos e externos -, conforme estabelecido pelas normas regulamentares.  

Referido procedimento não só visa efetivar a participação de diversos atores econômicos, mas também almeja promover transparência e igualdade no processo de competição, enquanto proporciona uma base para uma rigorosa fiscalização.  

O enfoque central é garantir que as ações administrativas estejam em conformidade com as normativas estabelecidas, contribuindo para um ambiente de concorrência justa e eficiente, sendo inexigível somente em circunstâncias em que seja claramente evidenciada a presença de obstáculos negociáveis que, efetivamente, prejudiquem as operações da estatal. 

Para tanto, mencionados obstáculos devem ser devidamente comprovados, de modo a viabilizar a realização da licitação, seja devido à inviabilidade material da competição ou ao potencial prejuízo ao interesse público, alinhado com os propósitos institucionais da estatal, conforme determinam os arts. 28 e 30, do EEE. 

Com o advento da Nova Lei de Licitações – Lei Federal nº 14.133/21, é possível verificar um movimento de utilização da jurisprudência do Tribunal de Contas da União – referentes aos temas pertinentes a ela, exclusivamente -, para interpretar disposições da Lei nº 13.303/16, com o eminente risco de se tratar como equivalentes sistemas licitatórios distintos, regidos por leis gerais de licitações igualmente distintas, desnaturando, assim, o conteúdo do art. 173, §1º, da Constituição Federal. 

Pois bem, no que diz respeito à fase de habilitação da licitação, essa é a etapa em que são exigidos documentos compatíveis com o ramo do objeto licitado, a fim de se comprovar que o licitante é capaz de fornecer o produto ou prestar o serviço que se pretende licitar, dividindo-se entre habilitação jurídica; regularidade fiscal, social e trabalhista; qualificação técnica e qualificação econômico-financeira. 

Não obstante o extenso e criterioso rol de documentos exigidos, em fase de habilitação, pelos regimes jurídicos das Leis Federais nº 8.666/93 e 14.133/21, o Estatuto das Estatais, em seu art. 58, determina quais parâmetros deverão ser apreciados, em referida etapa, sendo eles:

(i) exigência da apresentação de documentos aptos a comprovar a possibilidade da aquisição de direitos e da contratação de obrigações por parte do licitante;

(ii) qualificação técnica, restrita a parcelas do objeto técnica ou economicamente relevantes, de acordo com os parâmetros estabelecidos de forma expressa no instrumento convocatório;

(iii) capacidade econômica e financeira;

(iv) recolhimento de quantia a título de adiantamento, tratando-se de licitações em que se utilize, como critério de julgamento, a maior oferta de preço. 

Observa-se que, diferentemente do que ocorre com os regimes únicos de licitações gerais, o EEE, por si só, não estipula, de forma expressa, quais documentos deverão ser apresentados pelas licitantes, junto à fase de habilitação.

E mais, sequer expressa quais documentos podem ou não ser exigidos em mencionada etapa do certame, deixando referida definição à critério de regulamento próprio.  

Nessa perspectiva, compreende-se que a lista de critérios de qualificação é exaustiva, sendo responsabilidade de cada empresa estatal determinar os documentos necessários, sempre considerando a natureza específica do contrato em questão. 

Referida disposição, entretanto, institui a facilitação da participação de empresas em processos de licitações de empresas estatais, quando comparadas às contratações públicas realizadas pelos demais órgãos gerenciadores, que utilizam-se do advento das leis gerais de licitações – considerando-se, ainda, a vigência simultânea das Leis nº 8.666/93 e 14.133/21. 

Isso porque a Lei nº 13.303/16, nesse ponto específico, é expressa e adota solução distinta daquela encontrada pelas outras normativas aqui mencionadas, contendo um critério de habilitação propositalmente aberto para que, em face da multiplicidade de situações que podem se apresentar, diante de distintas circunstâncias e objetos a serem contratados, possam as estatais estabelecer condições apropriadas, com a definição da solução mais ajustada a cada especificidade, devendo a decisão ser devidamente justificada. 

É cediço que a imposição de critérios de habilitação restringe a competitividade, resultando na exclusão de alguns ou vários participantes presentes no mercado, da oportunidade de realizar contratos com Administração Pública Indireta, exclusão essa que pode ser lícita ou ilícita. 

A legitimidade da imposição de critérios ocorre de forma justificada quando é aplicada de maneira rigorosa, apenas na medida necessária para eliminar os concorrentes que não possuem as condições adequadas para cumprir, devidamente, o objeto a qual se pretende contratar.

No entanto, torna-se ilegítima quando adotada de forma excessiva, resultando em uma restrição injustificada da competitividade ou, em contraposição, quando se mostra excessivamente permissiva, abrindo margem para situações que comprometam a integridade do processo.  

Nesse sentido, a conformidade – ou não -, da imposição de requisitos de habilitação depende da moderação na avaliação das capacidades dos participantes, evitando excessos que possam prejudicar a competição de maneira injusta ou comprometer a qualidade e a eficiência do certame. 

Conclui-se, pois, ser necessário estabelecer adequadamente os requisitos de habilitação, de forma a não incorrer em erro por falta ou por excesso.  

Os parâmetros de habilitação previstos no EEE são amplos e permitem bastante autonomia para as empresas estatais regulamentarem a matéria. Não obstante, os gestores não possuem total liberdade discricionária para especificar os critérios a serem exigidos, no curso do procedimento licitatório.

A seleção não pode ser realizada de maneira arbitrária, sendo imperativo observar os princípios fundamentais da Administração Pública, em especial, os da Impessoalidade e da Moralidade. 

Ademais, devido à capacidade de restrição de competitividade, da exigência dos documentos aqui postos em discussão, é crucial que a especificação dos critérios de habilitação seja estabelecida por meio de regulamento interno, evitando, sempre que viável, a inclusão de referidos critérios de forma casuística, nos documentos convocatórios.  

Há de se mencionar, ainda, que, apesar das lacunas presentes na Lei nº 13.303/16, em relação ao tema, para determinados doutrinadores e aplicadores do Direito, é possível considerar o conjunto de decisões judiciais do Tribunal de Contas da União (TCU) como uma orientação válida, dado que os mesmos princípios da Administração Pública são aplicáveis às licitações conduzidas por empresas estatais.  

Exemplos recentes de decisões do TCU indicam uma tendência de manter interpretações semelhantes às que seriam aplicáveis nos certames regidos pela Lei 8.666/1993 e/ou Lei 14.133/21, mesmo diante da formulação mais concisa da Lei das Estatais, no que diz respeito aos critérios de habilitação de licitantes. 

Contudo, crucial destacar e atentar-se que é fundamental respeitar as peculiaridades inerentes ao regime de contratações dessas empresas, com o objetivo de garantir a conformidade com as finalidades estabelecidas em sua legislação própria. 

Nota-se que, inobstante a possibilidade de se ampliar – ou restringir – os documentos exigidos em fase de habilitação – podendo, consequentemente, expandir ou liminar, excessivamente, o caráter competitivo do certame -, as exigências de habilitação devem ser razoáveis e proporcionais ao objeto licitado, limitadas aos mínimos necessários que garantam a qualificação técnica das empresas para a execução de cada contrato do empreendimento.  

Dessa forma, mesmo que a Lei 13.303/2016 não estipule um percentual fixo, as empresas estatais devem evitar a imposição de requisitos excessivos que possam injustificadamente restringir a competitividade nos processos licitatórios.

Um exemplo concreto é a exigência de comprovação de experiência em percentual superior a 50% dos quantitativos a serem executados, conforme delineado pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU).  

Nesse contexto, é essencial que as estatais atendam ao princípio constitucional do artigo 37, inciso XXI, da CRFB/88, que preconiza a observância de critérios impessoais e proporcionais, garantindo assim a integridade e a justiça nos processos de contratação pública. 

Em conclusão, a flexibilidade proporcionada pela legislação não deve ser interpretada como uma oportunidade para estabelecer exigências desmedidas.

Pelo contrário, é fundamental que as empresas estatais adotem critérios equilibrados e proporcionais, em conformidade com as normas constitucionais, a fim de promover a competição justa e eficiente em seus procedimentos licitatórios. 

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