INTRODUÇÃO
Diante do cenário global de enfrentamento da corrupção, as pessoas jurídicas passam a assumir, cada vez mais, um papel protagonista na busca por soluções eficazes quanto ao desenvolvimento social e econômico de diversas nações.
Nesse contexto, em prol de um ambiente de negócios mais justo e íntegro, as legislações pátrias passam a regulamentar a obrigatoriedade da implementação de mecanismos de prevenção, tratamento e combate à corrupção corporativa, pelas empresas privadas, estando, dentre eles, os programas de integridade e de compliance.
No âmbito corporativo, compliance significa estar de acordo com as leis e regulamentos, sejam esses externos ou internos, em observância estrita a políticas e diretrizes próprias. Já no que diz respeito à anticorrupção, o mecanismo possui o objetivo precípuo de adequar as atividades da empresa, de forma que essa obedeça, integralmente, às disposições previstas no ordenamento jurídico pertinente, que, no Brasil, consubstancia-se na Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção.
O presente artigo visa demonstrar como a positivação do mecanismo, no ordenamento jurídico brasileiro, representou um avanço significativo no combate à corrupção, sendo certo que, para isso, necessário se faz entender como referido instrumento é particularizado, analisando-se suas principais características e efeitos.
DESENVOLVIMENTO
Indispensável mencionar a conceituação do termo “corrupção”, que, segundo o dicionário Michaelis, refere-se à “ação ou efeito de corromper; decomposição, putrefação; […] depravação, desmoralização e devassidão”.
Chaves (2013) acentua que, “a tentativa de abordar o assunto da corrupção, no setor privado, em nosso país, é um quase desafio, em função da escassez de dados estatísticos e estimativas oficiais”, dificuldade essa que se acentua, quando relacionada a empresas que não se vinculam à Administração Pública, que traz consigo maior interesse da sociedade e dos Poderes do Estado, como um todo.
Ademais, imprescindível se compreender a corrupção como um problema cultural, sendo certo que essa, em sua seara sistêmica, afeta, efetivamente, os setores empresariais e que, aqueles que lucram diretamente desses rendimentos, tendem a agir de forma desvirtuada e abusiva.
Um dos principais motivos desse fenômeno, no Brasil, é a exacerbada burocracia exigida pelo próprio sistema, que, em inúmeros casos, acaba por procriar, mesmo internamente e ainda que por meio de seus funcionários, ensejos e soluções mais céleres, de forma ilícita.
Junto a isso, há uma falta de fiscalização eficaz que cuide e proteja aquilo que deve ser mantido e preservado, como a destinação dos recursos gerados pela empresa. O que também afeta, por outra perspectiva, a transparência compactuada entre funcionário e empresa ou empresa e cliente, atingindo toda a cadeia de indivíduos envolvidos em suas operações.
Ademais, muitas empresas, no Brasil, adotam a cultura de tolerância ou aceitação – a exemplo da prática da evasão fiscal -, seja devido à corrupção, à falta de aplicação da lei ou à crença de que “todos fazem isso”.
Por conseguinte, aumenta a reputação, entre os cidadãos brasileiros, de que as grandes empresas atuam de forma desonesta e sempre à espera de benefícios próprios – sejam eles patrimoniais ou não –, mas nunca pensando no cidadão enquanto ser humano ou em suas reais necessidades.
Contextualmente, diante de uma robusta pressão internacional face ao Brasil, no intuito de se combater, efetivamente, a corrupção empresarial, o País iniciou uma sequência de atos, a fim de atingir referido objetivo – e, consequentemente, alinhar-se politicamente aos seus principais parceiros -, que podem ser exemplificados com a assinatura de tratados internacionais, como a Convenção Interamericana Contra a Corrupção (1996), a Convenção da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento – OCDE (1997) e a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2003).
Diante dos compromissos assumidos internacionalmente, restou indispensável a adesão a normas internas, capazes de auferir, de fato, os efeitos dos acordos assumidos e supramencionados, razão pela qual fora promulgada a Lei nº 12.846/13 – Lei Anticorrupção -, que menciona sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.
A lei supramencionada, embora não seja a pioneira a abordar o tema, representa um marco importante ao endurecer, significativamente, as sanções administrativas e civis, para empresas envolvidas em atos de corrupção, principalmente na esfera da Administração Pública.
Dentre seus dispositivos, determinou-se que as empresas passam a ser responsáveis pela criação de instrumentos de prevenção às irregularidades, bem como por reprimir atos praticados em desacordo com as leis, sob pena de responsabilização objetiva e imposição de sanções rigorosas, aplicadas proporcionalmente as condutas efetivamente praticadas.
Um dos mais prestigiados instrumentos abarcados pela norma e, constata-se, principal temática do presente trabalho, é o compliance empresarial, que se dedica a identificar questões internas relacionadas à ética, sustentabilidade, cultura coorporativa e diversos outros possíveis riscos empresariais.
O conceito de compliance reflete um conjunto de ações e procedimentos coorporativos internos, destinados a garantir o cumprimento da lei. Em outras palavras, trata-se de um Programa de Integridade, que tem, como objetivo, evitar a realização de atos prejudiciais à Administração Pública e/ou a terceiros.
Ubaldo (2017) entende que:
O compliance tem a função de monitorar e assegurar que todos os envolvidos com uma empresa estejam de acordo com as práticas de conduta da mesma. Essas práticas devem ser orientadas pelo Código de Conduta e pelas políticas da companhia, cujas ações estão especialmente voltadas para o combate à corrupção.
Ademais, há de se considerar que, apesar de as pessoas jurídicas serem configuradas, sobretudo, como agentes econômicos, impossível discordar que essas pregam um papel fundamental na sociedade contemporânea, enquanto influenciadores comportamentais.
É notório que grandes empresas como Apple e Amazon ditam não só padrões de consumo, mas, essencialmente, um estilo de vida almejado.
No entanto, quando se possui empresas ditando certas searas na atual sociedade, considerando-se, principalmente, a relevância com a qual as maiores marcas atingem o seu consumidor, no cenário globalizado, é justo que os modelos implementados, para a propagação de condutas éticas, sejam incentivados internamente.
É justamente pelos fatos mencionados que o compliance deve ser visto como instrumento, inclusive, para a legitimidade dessas pessoas jurídicas, além de aumentar o comportamento ético da sociedade como um todo.
Isso porque, de acordo com Veríssimo (2017):
O compliance tem objetivos tanto preventivos como reativos. Visa à prevenção de infrações legais em geral assim como a prevenção dos riscos legais e reputacionais aos quais a empresa está sujeita, na hipótese de que essas infrações se concretizem. Além disso, impõe à empresa o dever de apurar as condutas ilícitas em geral, assim como as que violam as normas da empresa, além de adotar medidas corretivas e entregar os resultados de investigações internas às autoridades, quando for o caso.
Ora, para que se desenvolva a legitimidade, dentro de uma empresa, deve-se agir conforme os ditames da lei, a razão, a ética e a moral. Portanto, utilizar-se do compliance – que vai além do mero cumprimento de leis e normas, assumindo, inclusive, um papel estratégico na organização da documentação e dos procedimentos empresariais -, como meio de conscientização dos problemas enfrentados pela sociedade implica, paralelamente, na criação de um modelo exemplo para o aprimoramento dos comportamentos dos funcionários, colaboradores, clientes e interessados.
É certo que, a implementação de procedimentos de controle interno empresarial robustos é crucial, pois é capaz de contribuir para a diminuição da frequência de comportamentos antiéticos e ilegais, atuando como um resguardo à transgressão das leis, sendo as empresas, através deles, capazes de identificar e mitigar os riscos relacionados às suas áreas de atuação, promovendo um ambiente mais seguro e ético, gerando benefícios tangíveis e substanciais, tanto em termos financeiros, quanto reputacionais.
CONCLUSÃO
A implementação de mecanismos de compliance, nas empresas brasileiras, se revela não apenas uma exigência legal, mas uma necessidade imperativa para a construção de um ambiente de negócios mais íntegro e ético.
A Lei nº 12.846/2013 – Lei Anticorrupção, representa um marco significativo na luta contra a corrupção, impondo responsabilidades e sanções rigorosas às empresas que se envolvem em práticas ilícitas.
O compliance empresarial, com seus programas de integridade, destaca-se como um instrumento crucial para garantir que as atividades empresariais estejam em conformidade com as disposições legais, promovendo a transparência e a ética. Ao adotar essas práticas, as empresas não só se protegem contra riscos legais e reputacionais, mas também contribuem para uma cultura corporativa mais justa e responsável, influenciando a sociedade como um todo.
Conclui-se, portanto, que, as empresas são responsáveis por combater a corrupção em seu âmbito interno, envolvendo-se todos os indivíduos que atuam diretamente em suas atividades – seja em setores gestores ou operacionais -, sendo o fortalecimento do compliance empresarial essencial para o desenvolvimento sustentável e para a erradicação da corrupção, no Brasil.
REFERÊNCIAS
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UBALDO, F. S. Lei Anticorrupção: a importância do programa de compliance no cenário atual. In: PORTO, Vinícius; MARQUES, Jader (org.). O compliance como instrumento de prevenção e combate à corrupção. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. VERÍSSIMO, C. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.
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