O parágrafo único, do artigo 191, da Lei Federal n° 14.133/21 – Nova Lei de Licitações -, define que, caso a Administração tenha optado por licitar ou contratar de acordo com o antigo regime licitatório, ou seja, com a Lei Federal n° 8.666/93 – hipótese aplicável até o dia 29 de dezembro de 2023 -, os contratos e atas respectivos serão regidos pelas regras previstas na referida norma, durante toda a sua vigência, mesmo após a revogação da legislação anterior.
Sobre a ultratividade da norma:
(…) a ultratividade tem os fatos pendentes como campo de ação, ou seja, aquelas situações iniciadas sob a égide da lei anterior e que se perpetuam na sua existência jurídica sob o período de vigência temporal da lei nova. Dessa forma, a ultratividade implicará a exclusão dos efeitos imediatos e futuros da lei em vigor, no que tange particularmente a situações ou relações em curso no momento da alteração legislativa.1
Considerando que o processo licitatório, em si, envolve uma correlação de atos praticados em sequência, resta evidente que, ao garantir a possibilidade da ultratividade da legislação anterior, nos termos do caput e parágrafo único, do artigo 191, da Nova Lei de Licitações, o legislador está protegendo a conclusão deste processo e a pertinente contratação, essencialmente, no que diz respeito à utilização do Sistema de Registro de Preços.
Como cediço, no SRP, a licitação não visa a contratação de forma imediata; mas a celebração de um instrumento auxiliar denominado Ata de Registro de Preços, que, durante sua vigência, pode gerar – ou não -, futuras contratações.
Nesse sentido, considerando-se que o raciocínio do art. 191, da Lei n° 14.133/21, também se aplica aos registros de preços, tendo sido realizada a licitação e a consequente celebração da Ata de Registro de Preços, até o dia 29 de dezembro de 2023, essa terá sua validade de até 12 (doze) meses, perdurando seus efeitos já na ausência de vigência da Lei n° 8.666/93, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta Ata, mesmo após a revogação da legislação supramencionada.
A doutrina de Fernanda Marinela e Rogério Sanches também aponta para uma resposta positiva, defendendo a possibilidade de uso das atas de registro de preços nas licitações que adotem a Lei n° 8.666/93:
A mesma ideia pode ser aplicada para o registro de preços. Imagine que a licitação para o registro de preços tenha sido iniciada e concluída dentro do prazo de 2 anos.
A ata de registro de preços pode tranquilamente ser assinada depois do biênio e dos contratos dela decorrentes da mesma forma.
O importante é o regime da licitação, que deve ser aplicado sobre tudo o que decorre e está vinculado a ela, tanto a ata de registro de preços, quanto os respectivos contratos.2
Nesse sentido também consta registrado em obra sobre o assunto:
No artigo 191 não há necessidade de prévia assinatura do contrato, mas sim de que a administração tenha, no período de experimentação, optado por licitar de acordo com a legislação anterior, como a Lei n° 8.666/93, por exemplo.
Nesta feita, mesmo que a licitação seja concluída apenas após o prazo de experimentação, as contratações decorrentes serão balizadas no regime anterior. E isso ocorrerá mesmo já tendo, naquele período, o regime anterior sido revogado.
Novamente é importante perceber que após a revogação da legislação anterior aplicada na licitação (ex: Lei n° 8.666/93), o fundamento de validade para a aplicação de seu regime à continuidade do certame e futuras contratações decorrentes será o próprio artigo 191 da Lei n° 14.133/2021, que impõe sua aplicação, preservando provisória e topicamente o regime jurídico da legislação anterior.
Essa regra, em nossa opinião, permitirá que os contratos e as atas de registro de preços decorrentes dessa licitação possam ser utilizados segundo o regime anterior e no limite de vigência por ele estabelecido.3
Não faria sentido admitir que uma licitação para registro de preços, adotada durante o período de convivência normativa entre ambas as normativas pertinentes, fosse impossibilitada de uso útil de seu resultado – Ata de Registro de Preços -, durante toda a sua vigência.
Dessa feita, a Ata de Registro de Preços, gerada até o dia 29 de dezembro de 2023, continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 (doze) meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 12.462/2011.
- CARDOZO, José Eduardo Martins. Da retroatividade da lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 297 ↩︎
- MARINELA, Fernanda. Manual de Licitações e Contratos Administrativos / Fernanda Marinela, Rogério Sanches Cunha – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021. p. 40 ↩︎
- TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 13 edição. São Paulo: Juspodivm, 2022. p. 897. ↩︎